Escolhendo uma flauta doce – Critérios qualitativos

05/

07/13

Escolhendo uma nova flautaTenho tido muitas oportunidades para experimentar diferentes instrumentos, sejam novos ou usados, de fábrica ou de luthiers, de diferentes modelos e madeiras. Assim, desenvolvi um método pessoal para avaliar instrumentos, que tentarei descrever o critério usado aqui, para que possa servir de guia para quem for comprar uma nova flauta.

Temos que ter em mente que ao escolher instrumentos musicais, os critérios mais importantes são os critérios musicais. Vejo muitas pessoas escolherem instrumentos por serem mais baratos, por serem ecológicos, por serem mais resistentes, mais bonitos, por ouvir o vendedor recomendar, por que acompanham o livro ou CD, por serem vendidos na loja da esquina ou mesmo em papelarias, mas nenhum destes critérios é um critério musical, nenhum destes critérios vai garantir que você compre um bom instrumento.

Critérios

Os critérios, em ordem de importância, são:

  • afinação (relação de oitavas, terças e quintas, principalmente)
  • timbre
  • estabilidade
  • resistência
  • quantidade de ar
  • tipo de madeira

Ao experimentar uma flauta pela primeira vez, costumo tocar escalas e arpejos, para que possa ouvir atentamente o som que o instrumento produz. Enquanto faço isso, estou também atento à sensação que o instrumento me passa ao tocar, especialmente na quantidade de ar necessária para obter um som redondo e limpo, na resposta à articulação, e na resistência que a flauta impõe ao meu sopro.

Afinação

O primeiro teste é com as oitavas: experimento todas as oitavas da flauta, ouvindo atentamente se as oitavas estão perfeitamente afinadas, se são “estreitas” ou “grandes”. Para isso eu toco C – C, D – D, E – E, e assim por diante. Depois de ter tocado todas as notas naturais até chegar à 3.a oitava, volto do início fazendo as notas alteradas: C# – C#, Eb – Eb, F# – F#, etc. Se a relação de oitavas não estiver afinada, não há como corrigir pois é um problema nas dimensões internas do tubo do instrumento, e neste caso eu evito este instrumento.

O segundo teste é tocar arpejos, normalmente também toco arpejos com 7.a, em toda a extensão do instrumento. Aqui fico atento na afinação das terças e quintas, e toco com os dedilhados alternativos diferenciando as notas enharmônicas (como Fá # e Sol b por exemplo).

O terceiro teste é mais prático, toco alguma sonata ou música conhecida. Algumas vezes só consigo notar alguma nota desafinada ao tocar uma música que já está memorizada.

Publiquei dois artigos aqui mesmo neste blog sobre o assunto afinação, e é muito importante ler estes artigos para entender melhor o que considero uma nota afinada ou desafinada: Afinação – acabando com os mitos e Afinação – a prática leva à perfeição.

Timbre

Enquanto estava experimentando a afinação, já estava atento ao timbre da flauta, ou podemos também chamar de voz (ou voicing no termo em inglês). Este é o ponto mais delicado do instrumento, que faz cada flauta realmente única, e por isso é muito difícil explicar em palavras.

Eu sempre busco um instrumento com timbre limpo, pouco agressivo, que possibilite certa mudança de coloração sonora. Também gosto de instrumentos que possibilitem um grande volume, sem que o som fique áspero.

É neste momento que experimento as notas “fracas” e “fortes”, isto é, as notas de forquilha (como o Fá, Si b, Sol # na flauta soprano), as notas abertas (como o ré médio e o si natural na flauta soprano) e as notas fechadas (Dó, Ré, Mi graves na flauta soprano). Cada dedilhado tem um timbre característico, as notas abertas costumam ter a afinação instável e timbre claro, as notas fechadas tem uma resistência maior e som fechado, e as notas de forquilha costumam ter a afinação mais estável e som velado. Estas diferenças existem em todos instrumentos, mas algumas flautas possuem diferenças muito gritantes para diferentes dedilhados, o que prejudica o equilíbrio do som.

Muito importante notar sobre a facilidade em tocar todo o registro do instrumento, especialmente nas notas mais agudas (fá agudo – 3.a oitava – na flauta contralto, ou dó agudo na soprano). Estas notas não podem soar com chiado, elas devem ter o som limpo, e ataque preciso. Caso não esteja, provavelmente o bloco está alto ou baixo demais.

Canal de arAcima coloco uma foto do canal de ar de uma flauta. Ao olhar pelo canal com a flauta direcionada a uma fonte de luz, devemos enxergar algo parecido com o que mostro nesta foto, uma meia lua muito luminosa que é formada pela luz que entra pelo tubo por baixo da janela. Se vemos muita luz, é por que o bloco está baixo demais, e se não vemos luz é porque o bloco está alto demais. Se a flauta for de luthier, ele pode ajustar o bloco para que fique na altura correta.

Resistência

Já publiquei um artigo, traduzido do site da Adriana Breukink, sobre os tipos de respiração inalador e exalador, ou também conhecido como lunar e solar. Este artigo explica sobre este critério, e pode ser lido aqui: Inalador ou Exalador?.

Eu sempre busco instrumentos com maior resistência, na qual eu possa fazer pressão e assoprar bastante para tocar, seguindo o tipo solar ou exalador.

É bom escolher instrumentos adequados ao seu tipo, por isso recomendo a leitura do artigo.

Quantidade de ar

zefiroAlgumas flautas exigem mais ar, outras menos. Além disso, alguns instrumentos permitem uma mudança maior da coluna de ar sem que isso afete a afinação ou timbre, outros instrumentos são mais delicados neste aspecto.

Ao experimentar um instrumento, procuro que o instrumento responda quando assopro de forma confortável, sem que precise assoprar muito ou conter o ar. Além disso, também procuro instrumentos que permitem maior tolerância na variação da coluna de ar sem que isso afete a afinação e o timbre.

Estabilidade

Esta é uma característica muito importante, porém muito difícil de avaliar quando tocamos um instrumento por pouco tempo. Me refiro aqui às mudanças no som que são causadas pela mudança no clima ou após tocarmos por períodos longos no mesmo instrumento.

Esta é a única característica na qual os instrumentos de resina costumam ser melhores que os instrumentos de madeira. Mesmo assim, as flautas de plástico costumam entopir muito mais que as de madeira.

Uma coisa que devo comentar aqui, é que algumas flautas de luthier costumam ter ligeiras alterações na sonoridade após cerca de um ano de uso, e depois deste período de 1 ano, devem ser enviadas de volta ao construtor para que faça uma revisão no instrumento, com os ajustes necessários para que a flauta tenha a sua melhor performance. As flautas de fábrica são construídas de outra forma, e não precisam de manutenção após 1 ano.

Tipo de madeira

grenadillaAs flautas são construídas de vários tipos de madeira, onde posso citar algumas madeiras brasileiras como ipê, jacarandá e conduru, e outras madeiras importadas como grenadilha, buxo (boxwood), pereira (pearwood), cerejeira (cherry wood), jacarandá europeu (rosewood) e muitas outras, e até de materiais mais nobres, como marfim.

Ainda no quesito estabilidade, mas já falando dos tipos de madeira, as flautas construídas com madeira porosa e/ou pouco densa, como pereira e maple, costumam ser menos estáveis que as flautas com madeira mais densa e dura, como grenadilha e buxo.

Coloco este critério como último, pois as diferentes madeiras não influenciam diretamente no som do instrumento como muitos podem pensar, mas existe uma influência indireta. A textura da madeira, a estabilidade diante de mudanças da temperatura e umidade e a facilidade que a madeira oferece ao torneamento influenciam muito mais na qualidade do instrumento do que a ressonância da madeira ao som produzido. Isto acontece por que em qualquer instrumento de sopro, a vibração do ar é muito mais significativa do que a vibração do instrumento.

Por todas estas razões, sempre que puder, escolha madeiras mais densas e com fibras mais próximas e menos porosas. Nestes quesitos, as melhores são o buxo ou boxwood europeu, grenadilha, oliva, jacarandá da Bahia, conduru e algumas sub-espécies de ipê.

Atualizado em 9 de Junho de 2014:
Ainda com relação a madeira, já ouvi falar de algumas pessoas com fortes alergias a alguns tipos de madeiras, por isso escrevo aqui uma história que chegou ao meu conhecimento. Katherine White, americana, e idealizadora do método suzuki de flauta doce, tinha alergia a várias madeiras e por isso pediu para uma fábrica de flautas um pequeno pedaço de cada madeira disponível. Ela colou cada um dos pedaços em sua pele com um esparadrapo por algumas horas, para verificar qual madeira ela seria menos alérgica. Depois do teste, ela descobriu que ela não mostrava nenhum sinal alérgico à oliveira, e a partir daí passou a usar apenas flautas de oliva. Fica a recomendação a esta madeira não só para quem é alérgico, mas também por ser uma excelente madeira para o clima brasileiro.

Instrumentos usados

Todos estes critérios citados devem ser analisados ao comprar um instrumento de segunda mão, e além disso devemos ter em mente algumas outras coisas que podem pesar a favor ou contra um instrumento usado.

Ao pegar um instrumento usado, a primeira coisa que me chama atenção é o estado geral, a limpeza, se há danos na janela ou em qualquer parte do bocal, nos encaixes, nos furos, e se há qualquer tipo de rachadura ou veio da madeira mais propenso à rachaduras, e no caso de flautas que possuem chaves, o perfeito funcionamento das mesmas (me refiro à vedação dos furos, lubrificação dos mecanismos, estado geral das chaves). Isso tudo pode indicar o cuidado que o último dono teve com o instrumento.

Dentre tudo isso, especial cuidado com danos na janela e no bloco, rachaduras e chaves mal conservadas, pois isso afeta diretamente no som do instrumento. Não importa se a flauta é bonita quando não toca direito, não é mesmo?

Há outro fator que deve ser considerado: a procedência do instrumento. Quero dizer aqui o luthier ou o fabricante, quanto tempo que a flauta foi construída, quanto tempo a flauta ficou sendo usada, quanto tempo ficou parada sem ninguém tocar ou empoeirando em um armário. Conheço algumas flautas doces que valiam algo em torno de 2.000 euros, que imediatamente após a morte de seu luthier, passaram a valer 20.000 euros – e estas não são as flautas mais caras que eu tenho visto.

O fato da flauta ficar empoeirando em um armário também afeta seu som, pois a madeira seca e o corpo muda suas dimensões, alterando drasticamente a afinação e também o timbre, fato que algumas vezes é revertido por uma manutenção com o luthier, ou simplesmente com uma limpeza e óleo (já explicado no artigo Como devo limpar minha flauta de madeira? e também no artigo Devo passar óleo nas minhas flautas doces? Como devo fazer?), mas algumas vezes o processo de deterioração é irreversível, especialmente quando existem fungos ou cupins na madeira.

Existem algumas vantagens em comprar instrumentos usados, especialmente quando compramos de flautistas que conhecemos e que são atuantes. Instrumentos novos, como já mencionei anteriormente, precisam ser amaciados e normalmente precisam ser levados ao luthier novamente após cerca de 1 ano de uso. Instrumentos usados já passaram por este processo e geralmente são mais estáveis, mas para isso o último dono deve ter passado óleo e cuidado bem do instrumento.

Em qualquer dos casos, um instrumento musical serve para fazer música, e por esta razão, o principal critério deve ser a qualidade sonora, e tudo o que interfere diretamente ou indiretamente na qualidade sonora.

5 Comments to "Escolhendo uma flauta doce – Critérios qualitativos"

  1. Adorei este artigo toda hora vejo os artigos e cada vez fico impressionado com a qualidade deles, cada um melhor que o outro

  2. Oi Gustavo!
    Adorei o seu artigo, o conteudo é muito instrutivo, aprendi um monte de coisas que não sabia. Também acho que você explica muito bem, numa linguajem simples e direta; mais objetivo não podia ser… Acho que faz muita falta este tipo de instrução por aí. Eu sempre cuidei com muito carinho as minhas flautas, agora vou revisar com mais detalhes depois destas informações… Un grande abraço

  3. Ei, Gustavo, foi bem instrutivo suas informações. Apoio o que a Heliana escreveu. As informações estão entendíveis e bem claras. Lembrou-me como preciso estar mais atenta à manutenção de minhas flautas! Valeu! Ab

  4. Pingback: Diferenças entre flautas de resina e de madeiraFlauta doce Brasil por Quinta Essentia Quarteto

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