Muitas histórias têm chegado a nós, através de amigos, emails ou mensagens, ou mesmo de alunos que nos procuram para fazer aulas de flauta doce, a respeito das situações que acontecem corriqueiramente. Como muitas dessas histórias são recorrentes e a maioria muito tristes devido à falta de conhecimento e dos péssimos desdobramentos, resolvi torná-las públicas protegendo a identidade de seus protagonistas, em uma série de artigos, cada um contendo uma história.
Meu objetivo com isso é tentar mostrar a responsabilidade que recai em todos os professores, e que os mesmos assumam esta responsabilidade e com isso possam mudar a sua postura. O professor tem a responsabilidade de formar todas as outras profissões, e mais que isso, ensina valores à sociedade.
Terei aulas de flauta doce na escola! Que legal… será?
Essa situação aconteceu comigo, quando tinha entre 7 e 10 anos. Eu já estudava flauta doce em uma escola de música, e passaria a ter aulas de flauta doce também na escola regular. No início era empolgação pura, meus colegas já sabiam que eu tocava flauta. Mas assim que as aulas começaram, a empolgação foi diminuindo, diminuindo e… acabou. Lembro bem do meu sentimento aos 9 anos, nestas aulas da escola regular: eu era muito empolgado, chegava sempre na professora com muitas novidades e querendo tocar, mas eu via que a professora tratava as aulas como recreação, e que o que eu aprendia em 2 aulas na escola de música foram necessárias 40 aulas na escola regular. A professora nem corrigia os alunos que assopravam de qualquer jeito, nunca foi falado nada sobre articulação. Embora eu adorasse a tocar flauta doce, tanto que fiz disso minha profissão, eu passei a não gostar daquelas aulas pela maneira que elas eram feitas, sem respeito algum pela música, e também pela flauta doce.
Ao chegarmos na 7.a série, quando eu já tinha em torno de 12 anos de idade, esta mesma professora deixou a flauta de lado e passou a ensinar MPB, fazendo aulas de coro com os adolescentes. A partir daí, todos gostavam da aula, e para mim que já estudava música, a aula passou a ser mais palatável, embora em relação ao conteúdo, era bem elementar. Hoje eu me lembro de tudo aquilo, e me pergunto: por que esta professora não trabalhou desde o início o conteúdo que ela já dominava (no caso coro infantil e juvenil), pois assim, todos seriam motivados e ao final de alguns anos de aulas, todos teriam aprendido um conteúdo mais consistente, além é claro, de trabalhar as habilidades necessárias na formação de um músico (como disciplina de estudo, percepção auditiva, repertório, reconhecimento de estilos, e muito mais dependendo do que fosse trabalhado pela professora).
Temos um aluno que passa exatamente pela mesma situação. Em uma conversa, quando falávamos sobre levar a flauta na escola, perguntamos se ele levava a sua flauta de madeira da Mollenhauer para as aulas na escola, e a sua resposta foi simples e direta: “Não, lá não vale a pena”. Ele sabe que ninguém naquela aula está interessado na qualidade sonora, e por isso só usa a flauta de resina na escola regular, não por exigência dos pais, não por exigência do professor, mas por saber que ninguém se importa.
E o que isso acarreta?
Essa situação tem vários desdobramentos, e podemos nos questionar quanto bem estamos fazendo ao ensinar a flauta doce nas escolas de qualquer maneira. Podemos fazer uma comparação: Se mesmo para um aluno interessado a aula foi desestimulante, quais os benefícios desta aula para os outros 35 alunos que estavam na mesma sala de aula?
Em minha opinião, quando ensinamos algo sem o devido respeito, pelas nossas atitudes plantamos uma semente má, que ao invés de melhorar o ambiente cultural e musical da sociedade, ao invés de melhorar a percepção e a sensibilidade, faz com que nossos alunos gostem apenas do lixo cultural e comercial descartável. Se a aula de música é desestimulante e sem conteúdo, para que estudar música? Afinal não é senso comum que a arte é um dom ou talento inato? Creio que muitos dos alunos que estudaram na mesma sala de aula levaram este pensamento errôneo para toda a sua vida.
Na aula que serviria para levar aos alunos um pouco de música e arte que não existe na mídia de massa, eles tocam música comercial num instrumento que aprendem a odiar pela má formação de muitos professores.
E o que podemos fazer? Qual a solução?
Hoje posso dizer, com um pouco mais de experiência do que tinha com meus 12 anos, que o professor tem total responsabilidade pelo sentimento que passa aos alunos. Muitas coisas poderiam e deveriam ser feitas:
- O professor deve ensinar apenas o assunto que domina completamente;
- Se não tem formação para ensinar flauta doce, use outras ferramentas que domina;
- Tenha respeito pela própria profissão e pelos alunos, dar aulas sem conteúdo ou sem um objetivo claro é desrespeitar o ato sublime de ensinar;
- Busque sempre a melhor qualidade possível em tudo o que se propor a fazer, e exija isso dos seus pupilos com o seu próprio exemplo;
- A melhor maneira de ensinar música é tocando. É muito importante para um professor de música que o mesmo tenha uma vida artística atuante, além da pedagógica;
2 Comments to "Terei aulas de flauta doce na escola! Que legal… será?"
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Gostei dos comentários !!!
Sou testemunha de que a motivação primeiramente tem que vir do professor !! Trabalho com flautas do 1o. ao 5o. anos do fund.I , com arranjos à 3 vozes em repertório erudito e popular. Para nossa prox . apresentação serão mais de 300 crianças, tocando “Aleluia”de Handel, “Primavera” Vivaldi” , “Hallelujah” Shrek… e o mais importante: envolvidas e empolgadas frente ao repertório e ao “desafio” !!!
Cabe ao professor motivar e dar bons exemplos aos alunos, e pelo que você colocou, parece que está no caminho certo. Abraço!