O que podemos aprender com os outros artistas?

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08/15

Na nossa carreira de artista, em cada novo projeto, turnê ou mesmo em conversas virtuais nas redes sociais vamos conhecendo outros artistas pelo mundo. Músicos de diversos estilos, atores, artistas plásticos, designers, escritores, escultores, luthiers, e cada um possui diferentes maneiras de enxergar a arte e o mundo que o rodeia. Nesta constatação de pensamentos diferentes, nos deparamos com algumas peculiaridades que cada linguagem artística alimenta, que pode ser benéfica ou prejudicial à nossa atuação de artista. Isto também acontece em outras profissões, e podemos aprender muito com estas diferenças.

Devo limitar este artigo aos músicos eruditos, apenas apontando os pontos positivos que podemos desenvolver ou aprender observando outros artistas de outras linguagens, afinal, este assunto seria suficiente para um tratado de psicologia…

Com os músicos populares

Enquanto os músicos eruditos passam anos de sua vida musical trancados em um quarto, estudando sozinhos por horas a fio para tocar cada vez melhor, à espera de serem descobertos por um produtor ou um mecenas, muitas pessoas que se tornam músicos populares aprendem a tocar sozinhos ou com um grupo de amigos, cada um escolhendo um instrumento, e iniciam uma banda ou um grupo, tocando por mero prazer e diversão.

musicoObviamente, em ambos os casos existem chances de sucesso, e os caminhos são muito distintos; porém me pergunto o que é mais fácil? Obter sucesso tocando em bares todas as noites se arriscando artisticamente, ou tocando no próprio quarto e ocasionalmente fazendo testes para orquestras ou limitando a carreira artística a ensinar aquilo que já foi ensinado há 50 anos atrás e continua igual até hoje. Em um caso, o erro durante uma performance está presente no dia a dia, já no outro, é, às vezes, motivo para suicídio.

Outra coisa que me vem a mente é a dependência do músico erudito do texto musical, da partitura. Enquanto o músico popular, desde o início da sua prática, já procura improvisar e adaptar melodias a cada novo acorde.

Estas constatações (longe de ditar o que acontece no mundo particular de cada músico independente de estilo) são gerais e dizem respeito mais à forma de como aprenderam a exercer a profissão ou à expressar sua arte, do que exatamente a uma tentativa de divisão; conheço muitos músicos eruditos que improvisam super bem e muitos músicos populares que conhecem teoria como poucos, mas estes são minoria no cenário musical brasileiro.

Esta relação da música como elemento de expressão e estilo, a relação aberta ao diálogo com o público, é muito mais presente na música popular do que na música erudita, e talvez seja por isso que em todo o mundo os concertos de música erudita têm se esvaziado. Se os músicos eruditos não buscarem outros caminhos para atingir novos públicos e interagir mais com a sua música e sua performance nos palcos e fora deles, numa visão mais empreendedora, será o fim para muitos deles.

Com atores

Algo que me fascina na relação dos atores com a sua arte é a sua prontidão. Enquanto os músicos se limitam a cantar ou tocar seu instrumento de forma impecável, os atores (especialmente os de teatro) geralmente fazem de tudo sem se limitar apenas à performance (me refiro à produção, iluminação, figurino, sonorização, busca de patrocínio, propaganda, mídia, etc), e muitas vezes abrem mão de todos os próprios pudores em função do personagem e do resultado final do espetáculo. O fato da personalidade do ator obrigatoriamente ter que dar espaço para a personalidade do personagem que é apresentado, faz com que os atores sejam mais flexíveis quando comparamos com os músicos que geralmente impõem inúmeras condições para que o espetáculo seja feito.

AtoresOutra coisa que aprendi com os atores é a sua entrega para a arte e um grande empreendedorismo. Algo não muito comum entre músicos eruditos, que geralmente preferem ser convidados a “fazer um cachê” sem se envolver com a criação artística do espetáculo do que construir seu próprio trabalho, correndo os riscos inerentes à profissão de artista, de ser amado ou odiado pelo público como resultado do trabalho apresentado.

Certa vez ouvi de um diretor de teatro que os músicos geralmente não lidam muito bem com o abstrato. No caso específico, ele queria a cena “mais azul”, e isto bastava para que todos os atores soubessem o que fazer para chegar àquele clima. Já os músicos, muito amarrados à partitura e ao texto musical, não sabiam como transformar “azul” em música.

Com bailarinos

bailarinosPodemos ressaltar aqui a busca incessante pela perfeição nos detalhes, no acabamento. Bailarinos passam horas fazendo o mesmo movimento, para chegar à perfeição. Nisto, são muito parecidos com os músicos eruditos. Porém, os músicos geralmente se limitam em tocar bem, mas se esquecem que a imagem também é importante: o figurino, a forma de entrar e sair do palco, além de como se portar enquanto estiver lá, a iluminação, o gesto, a expressão no olhar e no corpo, a postura ao falar com o público. Os bailarinos nunca se esquecem de quanto tudo isso é importante.

O ensaio geral

Este é o aspecto que mais diferencia os músicos dos outros artistas de performance como atores e bailarinos. Geralmente, tanto atores como bailarinos, ensaiam o espetáculo como uma obra em si, desde a abertura das cortinas do palco até o agradecimento final. Músicos, ao menos em sua grande maioria, ensaiam cada peça dentro de um concerto, e muito raramente ensaiam o que devem fazer no começo e fim do espetáculo, e também entre as peças apresentadas. Mas aprendemos com os atores e bailarinos que as pausas, falas e interjeições entre as músicas fazem parte do espetáculo, e são tão importantes quanto as próprias músicas, e se são importantes, também devem ser ensaiadas.

Cabe aqui também mencionar sobre como é feito o ensaio geral, de uma forma comparativa. Tive contato com alguns bailarinos de uma escola de ballet no sul do Brasil, onde a busca pela perfeição é diária. Para eles, a única diferença entre a apresentação real e o ensaio geral é a presença do público. O ensaio geral acontece com exatamente o mesmo figurino, a mesma iluminação, a mesma sonorização, a mesma maquiagem, tudo igual a apresentação, e este ensaio tem por objetivo prever qualquer coisa que possa acontecer durante a apresentação real. Uma roupa apertada demais, por exemplo, pode arruinar a apresentação de um bailarino. Uma iluminação inadequada pode impedir a leitura da partitura, um palco com vento ou mesmo uma brisa suave pode impedir a projeção do som da flauta doce, um palco apertado pode impedir a movimentação e o agradecimento dos artistas durante os aplausos, e milhares de outras coisas podem aparecer apenas quando já estamos no palco, arruinando a nossa performance.

artistasUma performance musical possui todo um “ritual” próprio. A preparação nos camarins, maquiagem, troca de roupa ou figurino, afinação dos instrumentos, a espera para o sinal, a apresentação dos músicos, a entrada dos músicos, aplausos e agradecimentos, a preparação para tocar, e só depois, a música começa. Depois, a cada música, temos possíveis apresentações de cada um dos integrantes, mais aplausos e agradecimentos a cada música, a saída após a última peça, volta para o bis, o agradecimento final, e muitas vezes segue para o atendimento ao público (informalmente, é claro) que deseja conhecer e agradecer os músicos pessoalmente. Mas o ensaio (para os músicos) geralmente começa apenas onde a música começa, e simplesmente ignora tudo ao redor…

Há que considerar os fatores físicos, humanos e psicológicos também. Será que a concentração de tocar todo o repertório de uma única vez é igual a tocar cada peça podendo conversar com os colegas do grupo entre cada peça? Adicione-se a isso as possíveis falas e agradecimentos, possíveis entradas e saídas de músicos do palco, trocas de instrumentos e outras coisas que acontecem no palco. Será que conseguimos afinar os instrumentos rápido o suficiente para fazer isso durante a apresentação? Será que os instrumentos usados suportam a duração do espetáculo inteiro sem precisar de algum tipo de ajuste (como afinação, limpeza, secagem, etc)? E este ajuste pode ser feito sem que o público disperse sua atenção? Algum dos músicos tem medo de falar em público? Devemos fazer estas perguntas e muitas outras, e veremos como é importante ao músico ensaiar pensando em todos estes detalhes, mas que fazem grande diferença durante a apresentação.

Ensaiar o espetáculo todo nos ajuda a ficar mais à vontade no palco durante a performance, a amenizar o medo que muitas pessoas têm de se expor, a memorizar a sequência das coisas para não ficar perdido durante a apresentação, enfim, para apresentar o melhor trabalho possível para o nosso público.

Em resumo, comunicação…

Quando o músico se limita apenas à linguagem que lhe é própria, a música, é muito provável que sua performance não convença o público, mas o que o músico pode fazer?

Creio que Comunicação é a palavra de ordem. A verdadeira Arte está subordinada à esta comunicação, ela deve “inspirar a reflexão” seja contando uma história como na maioria das peças de teatro, seja enviando uma mensagem ou imagem objetiva como na pintura clássica, ou seja esta mensagem subjetiva como na arte moderna ou na música instrumental. Se a arte não comunica, se torna vazia e desinteressante ao público. Mas em alguns casos, o comportamento do artista ou fatores alheios a ele acabam atrapalhando na comunicação. Para facilitar esta comunicação com o público, cada linguagem artística usa um meio diferente, mas não basta se limitar a apenas um único meio para que esta comunicação seja efetiva e que convença o público e cause o impacto desejado pelo artista. Em uma conversa entre duas pessoas, além da linguagem verbal, também nos comunicamos pelo gesto, pela linguagem corporal, pela roupa que usa, pelo olhar… Da mesma forma, é necessário que o artista aprenda um pouco de cada arte para agregar valor e qualidade à sua performance, sempre na intenção de facilitar a comunicação de sua arte com o público.

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